" Não é o Português a única língua usada em
Portugal (...) fala-se aqui também o mirandês" anunciava, em 1882, José Leite de
Vasconcelos no seu "Dialecto Mirandês" dando, assim a conhecer ao mundo a
existência desta língua.
A sua origem remonta ao período em que, numa zona muito mais vasta,
incluindo Astúrias e Leão, se começou a constituir um grupo de variedades romances
com muitos traços comuns entre si e que as distinguiam de outras romances também em
formação - por um lado, o galego - português e, por outro o castelhano. A esse conjunto
romance deu a tradição linguística a denominação de leonês, denominação essa que
tem vindo a ser substituída pela de asturo-leonês, mais conforme com a sua antiga extensão histórica e
geográfica.
Trata-se de variedades que enfrentaram os séculos sem o apoio de uma escrita
específica, dado que no tempo da sua maior pujança se escrevia exclusivamente em latim,
e que passada essa época, só as línguas que correspondiam ao poder mais forte,
politicamente centralizado e complexo, cultivaram escritas românticas e acabaram por
estabelecer normas com tendência unificadora. Apesar disso, é possível à história da
língua encontrar, sobretudo em documentos não literários, testemunhos escritos de
existência e persistência desse antigo agrupamento linguístico ao longo dos séculos.
A manifesta perda de influência do primeiro reino cristão da Península que
se viu politicamente absorvido pelo Reino de Castela, com carácter definitivo, a partir
do século XIII (1226), fez com que o asturo-leonês fosse assimilado pelo castelhano e
gorasse as suas possibilidades de expansão e de afirmação como língua nacional, o que
não impediu no entanto, que do asturio-leonês tivessem permanecido vestígios. O
mirandês, variedade do leonês ocidental, é disso um exemplo vivo.
Para que tal acontecesse várias circunstâncias históricas terão
contribuído:
- A pertença desta zona do nordeste transmontano, ainda em época de dominação romana,
ao convento jurídico de Asturica Augusta a não ao de Bracara Augusta;
- A pertença da Terra de Miranda à diocese de Astorga entre os séculos VIII e XII;
- A não pertença de toda esta região de Bragança ao território que inicialmente
integrou o Condado Portucalense;
- A intensa colonização de que esta região foi alvo a partir do século XIII, como
revelam as Inquisições de D. Afonso III, por agentes leoneses, mormente os
mosteiros de Santa Maria de Moreruela e de San Martín de Castañeda, o mosteiro
beneditino de Castro de Avelãs, os Templários de Alcañices e, outros particulares que
terão mantido a posse da terra muito para além do século da fundação da nacionalidade
portuguesa;
- As relações privilegiadas, bastante antigas, entre Terras de Miranda e terras de
Leão;
- O isolamento desta região em relação ao resto do país a que, formalmente, à muito
pertencia. Na realidade esteve, durante muitos séculos, mais voltada para Espanha do que
para Portugal criando, por conseguinte, grandes afinidades culturais com as localidades
mais próximas do país vizinho e condições para que o leonês sobrevivesse nesta zona.
Apesar de viver em estreito convívio com o português, numa
situação de bilinguismo social, consegui resistir às pressões deste que, desde cedo,
se começou a impor como língua socialmente mais prestigiada das duas.
Para esta resistência e vitalidade muito terão contribuído as suas
funções sociais e simbólicas, de coesão, de solidariedade intra-grupal e de
comunicação que fizeram nutrir, em épocas históricas diferentes, atitudes
linguísticas favoráveis. |