Tendo ao longo dos tempos, o
Mirandês, tradição oral, passando de pais para filhos, só em finais do século XIX,
com José Leite de Vasconcelos, famoso filólogo, arqueólogo e etnógrafo, começou a ser
escrita e investigada. Bernardo Fernandes Monteiro da Póvoa; António Maria Mourinho de
Sendim e Manuel Preto de São Martinho, entre outros, seguiram-lhe os passos.
Falada ou escrita, esta língua, reflecte a maneira de conceber o
mundo, de ver, de pensar, estar, sentir e de ser dos mirandeses, ou seja, a sua cultura,
de per si muito rica.
Não se pode conceber uma língua, sem uma cultura
envolvente, enraizada e capaz de, em intercâmbio, produzir elementos semânticos
próprios.
A cultura mirandesa tem, de facto, uma componente etnográfica
que a língua por sua vez, expressa.
Assim sendo, dá sentido aos laços da
dança dos Pauliteiros, que vem da dança Indo-Europeia de Espadas; às danças
paralelas e de roda; às cantigas da segada e demais rimances; às cantigas dos ciclos da
lã, do linho e das mondas; às cantigas de ronda; às cantigas religiosas (Natal, Reis,
Páscoa); aos jogos de roda, etc.
Do mesmo modo, algumas peças teatrais, conhecidas por
"colóquios" que se fazem ao ar livre, em dias de festa, ensaiadas sobre grandes
palcos (tratam temas de inspiração religiosa ou profana), são escritas e representadas
em mirandês por gente do povo. Em todas elas aparece a figura do tonto, antigo bobo, com
a missão de fazer troça com trovas, como se pode ver pelos versos:
Pobo que stais a oubir
Que muito bos anganhais
Bós dezis que you sou tonto
Mas bós inda sodes mais.
Agora de barriga chena
Yê que you me bou a stender
I bós stais todos de boca abiêrta
Cun bien ganas de comer.
Em mirandês se contam histórias, se cantam e dançam as
cantigas à volta da fogueira das festas pré-cristãs, do solstício de Inverno, do
"carocho" e da "velha" de Constantim e da Velha de Vila Chã e de S.
Pedro da Silva; se conversa e canta nos fiandeiros, reuniões familiares e de vizinhos,
nas tardes e noites de Outono; se contam histórias, se discute acerca dos trabalhos
agrícolas, se reza, se joga, nos serões de Inverno, à
lareira, na cozinha, verdadeira sala de cultura do nascimento até à morte.
Em mirandês se informam os costumes comunitários, que vêm de
tempos pré-romanos: partilha de lagares, eiras e vales, concelhos, arranjos de caminhos,
festas e jantares rituais, trabalhos da lavoura (e seus instrumentos), etc.
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